quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Por que a prova da OAB (2010.3) deve ser anulada?

*Fonte: UOL.
No último dia 12 de fevereiro, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), através da Fundação Getúlio Vargas (FGV), aplicou o Exame de Ordem 2010.3 – 1ª fase.
Voltando um pouco no tempo, se faz necessário para entendermos o momento atual.
A OAB foi criada em novembro de 1930 pela iniciativa do antigo Instituto dos Advogados, através do Decreto nº 19.408 de 18/11/1930. O art. 17 assim dizia:
“Fica criada a Ordem dos Advogados Brasileiros, órgão de disciplina e seleção de advogados, que se regerá pelos estatutos que forem votados pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, com a colaboração dos Institutos dos Estados, e aprovados pelo Governo”.
A OAB do Brasil possuiu 27 Secções, pelos 26 Estados e o Distrito Federal e fiscaliza o exercício da profissão e é responsável pelo Exame de Habilitação.
O Exame de Ordem é uma prova que avalia a qualidade dos conhecimentos técnicos dos bacharéis. É o requisito necessário para o Bacharel em Direito ser Advogado.
No Direito Administrativo classificamos as “Ordens e Conselhos” como “autarquias corporativas”, “autarquias profissionais” ou “entes de regime peculiar”. Em que pese não fazerem parte da estrutura da Administração Indireta (Autarquias, Fundações Públicas, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista), é certo que tais entidades fiscalizam as profissões e prestam serviços públicos.
O Supremo Tribunal Federal (STF) (ADin 3.026/DF, de 2006) afirmou que “A OAB deve ser tida como serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro”.
A OAB é regida pela Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, a qual dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil.
Em seu Art. 8º, destaco o inciso IV:
“Art. 8º. Para inscrição como advogado é necessário: IV - aprovação em Exame de Ordem;”
Merece destaque também o parágrafo 1º do mesmo artigo:
“O Exame da Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB.”
A prova de habilitação é dividida em duas fases, sendo a 1ª, um caderno com 100 questões objetivas (múltipla escolha).
Em 19 de outubro de 2009, o Conselho Federal publicou o Provimento nº 136/09, cujo destaque é o Art. 6º:
“Art. 6º. O Exame de Ordem abrange 02 (duas) provas, compreendendo os conteúdos previstos nos Eixos de Formação Fundamental e de Formação Profissional do curso de graduação em Direito, conforme as diretrizes curriculares instituídas pelo Conselho Nacional de Educação, bem assim Direitos Humanos, Estatuto da Advocacia e da OAB, Regulamento Geral e Código de Ética e Disciplina, além de outras matérias jurídicas, desde que previstas no edital, a saber:” (g.n.)
“Art. 6º. § 1º. A prova objetiva conterá 100 (cem) questões de múltipla escolha, com 04 (quatro) opções cada, devendo conter, no mínimo, 15% (quinze por cento) de questões sobre Direitos Humanos, Estatuto da Advocacia e da OAB, Regulamento Geral e Código de Ética e Disciplina, exigido o mínimo de 50% (cinqüenta por cento) de acertos para habilitação à prova prático-profissional.” (g.n.)
O Art. 19 traz o marco temporal da questão:
Art. 19. As alterações concernentes ao conteúdo programático de que trata o art. 6º somente serão adotadas um ano após a publicação deste Provimento, vigorando, até então, as normas do Provimento nº 109/2005 relativas à matéria.
Lendo simplesmente o Estatuto, aprendi que o Conselho Federal edita um Provimento (Art. 54) e que este mesmo Provimento deve ser cumprido pelos Conselhos Seccionais (Art. 57) e o mais interessante, que se um Conselho Seccional descumprir um Provimento caberá recurso ao Conselho Federal (Art. 75).
Li novamente e fiquei com uma dúvida: e se a própria OAB descumprir seu próprio Provimento? Estranho? Paradoxal?
Segundo Marcus Acquaviva, “Provimento da Ordem dos Advogados do Brasil é ato normativo expedido pelo Conselho Federal da OAB, destinado à regulamentação das normas estatutárias constantes da L. 8.906, de 4.7.1994 (Estatuto da OAB).”
É fato que o Provimento nº 163/09 criou uma regra vinculante e tal regra foi descumprida.
Infelizmente a OAB descumpriu seu próprio Provimento, pois, além de não ter os 15% de questões determinadas ao conteúdo (segundo a própria OAB, na divulgação do gabarito- http://migre.me/3SopK -, houve 10 questões sobre “Estatuto e Código de Ética”), simplesmente não caiu NENHUMA questão de Direitos Humanos, aliás, não sou eu quem está dizendo isso, pois a própria OAB no gabarito assim colocou:
1 a 8 – Direito Administrativo
9 a 18 – Direito Civil
19 a 27 – Direito Processual Civil
28 a 37 – Direito Constitucional
38 a 43 – Direito Empresarial
44 a 53 – Estatuto e Código de Ética
54 a 61 – Direito Penal
62 a 68 – Direito Processual Penal
69 a 75 – Direito do Trabalho
76 a 81 – Direito Processual do Trabalho
82 a 89 – Direito Tributário
90 a 100 – Direito Ambiental, Direito Internacional, Direito do Consumidor e Estatuto da Criança e do Adolescente.
Sinceramente esperava umas cinco questões sobre Direitos Humanos, com a manutenção das dez tradicionais de Ética, mas NENHUMA de Direitos Humanos?!?
Como já havia escrito, a falta de identidade da matéria no País é algo impressionante, pois, há uma confusão entre Direitos Humanos e Direitos Humanos Fundamentais, onde o primeiro, ou seja, o Direito Internacional dos Direitos Humanos deveria ser o foco da prova de ontem, até porque, Direitos Humanos Fundamentais é análise do Direito Constitucional (arts. 1º a 12/CF) e já temos tal disciplina.
Tal confusão se repetiu até mesmo junto aos colegas de docência, onde pude ler que caiu “uma ou no máximo duas” questões de Direitos Humanos. O fato é que não caiu nada, nenhuma questão de Direitos Humanos. Numa das questões de Direito Internacional Privado, “lembraram da ONU e dos Pactos Internacionais de 1966” para completar as assertivas falsas... nada mais!
O próprio secretário-geral da OAB Nacional, Marcus Vinicius Furtado Coelho, afirmou que foram inseridas na prova sete questões envolvendo direitos humanos. “Os direitos humanos devem ser entendidos dentro de uma interdisciplinariedade, não é uma matéria estanque; mas está presente no direito civil, penal, constitucional”, observou.
“Uma questão de proteção à criança e ao adolescente”, exemplificou Coelho, “é uma questão de diretos humanos. Uma questão sobre fornecimento de alimentos a hipossuficientes – direitos humanos”.
O secretário ainda ressaltou que a inclusão da matéria de direitos humanos foi uma decisão da própria OAB: “nós somos os mais interessados. Nós colocamos no nosso provimento essa obrigatoriedade, porque entendemos que a matéria é fundamental. A visão atual dos direitos humanos é relacionada a tudo que diz respeito aos direitos da dignidade do ser humano e alguns professores, talvez apegados à antiga e ultrapassada visão, estão tendo dificuldade de encontrar as questões na prova”, declarou.
Eu me sinto aviltado ao ler este tipo de declaração de um jurista, para mim um desconhecido na área de Direitos Humanos para afirmar que “alguns professores, talvez apegados à antiga e ultrapassada visão, estão tendo dificuldade de encontrar as questões na prova”.
A atitude da OAB foi, no mínimo, lamentável, um enorme desrespeito aos alunos, não mostrando responsabilidade nem no cumprimento de suas próprias normas, criando mais uma vez situação de insegurança jurídica aos candidatos e ficando a mercê de eventuais recursos. Havia uma expectativa muito grande neste exame... Havia!
No último dia 11, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos do governo federal assim postou em seu site (http://migre.me/3Sogw):
11/FEV/2011 - DIREITOS HUMANOS será abordado pela primeira vez em exame nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) neste de domingo (13)
Data: 11/02/2011
por Priscilla Atalla Morelo
O primeiro Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que inclui a disciplina de Direitos Humanos em sua grade curricular, será aplicado neste domingo (13), em todo o Brasil. A inclusão da disciplina nas provas da OAB é uma demanda histórica da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR).
A alteração foi regulamentada em 2009 pelo Conselho Federal da OAB, onde foram estabelecidas novas normas e diretrizes para a aplicação do Exame de Ordem em âmbito nacional, à chamada unificação das provas.
Segundo o Conselho Federal da OAB, a novidade será extremamente importante para o avanço na qualidade do ensino jurídico no país e, particularmente, para o aprimoramento da grade curricular das faculdades.
E o que fazer? Eu entendo que a prova deva ser anulada, pois possui um vício formal de tal natureza, que não é possível corrigi-lo. Sou particularmente contra a concessão de pontos sem realmente tê-los feito!
O Prof. Luiz Flávio Gomes em seu twitter (@professorLFG) sobre a eventual anulação, afirmou que “Não se chega a tanto. No Exame Cespe (OAB-2007) houve um problema semelhante (na disciplina de Ética) e então se deliberou atribuir a todos os candidatos os pontos correspondentes ao vício. Seria essa a solução para o exame 2010.3? Talvez.”
Para o advogado Mauricio Gieseler, editor do Blog Exame de Ordem, “Se for proposta alguma solução administrativa ou de esfera jurídica, ela tem que ocorrer antes da 2ª fase, até o dia 27 de março, porque depois vai gerar perda de objeto”.
Assunto é o que não falta sobre Direitos Humanos. Em novembro a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o País... mas, acho que isso é uma “visão antiga e ultrapassada né?”
Quem sabe no próximo exame a OAB lembre-se de cumprir suas próprias regras...

Dr. Frederico Afonso Izidoro
Mestre em Direitos Difusos pela UNIMES Pós-graduado em Direitos Humanos pela ESPGE Pós-graduado em Direitos Humanos, ordem pública e segurança pública pela FESPSP Professor de Direitos Humanos e-mail: professor.frederico@uol.com.br twitter: @fredericoafonso

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